Edifícios à prova de futuro: incorporando a incerteza no processo de projeto

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OMA's transformation of Post Houston. Image © Leonid Furmansky

Por definição, a arquitetura e o urbanismo costumam operam em um território repleto de incertezas. Isso significa dizer que a prática da arquitetura não busca apenas respostas para os problemas conhecidos no presente, mas principalmente soluções para os desafios imprevisíveis do futuro. Como resultado, arquitetos e arquitetas confronta-se constantemente com a ambiguidade do ofício: procurando respostas para questões bastante concretas, ao mesmo tempo que buscam abrir espaço para que novos cenários alternativos e imprevisíveis possam surgir. A incerteza é uma condição inerente não apenas ao campo da arquitetura, mas sobretudo, à sociedade contemporânea. O constante e progressivo processo de transformação nos âmbitos sociais, econômicos e até ambientais em nossa sociedade hoje, nos levam a refletir sobre a importância da incerteza no pensar e fazer arquitetura no tempo presente. Pensando nisso, apresentaremos a seguir uma série de abordagens em arquitetura que nos convidam a refletir sobre tudo aquilo que é incerto, e como a imprevisibilidade pode ser útil ao projetar espaços e cidades para o futuro.

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Trazer a incerteza para a prática da arquitetura tem a ver com a incorporação de processos mutáveis e relacionamentos flexíveis entre os seus elementos e espaços. Trata-se de operar de modo não fixo, desconsiderando fórmulas prontas ou soluções já validadas. Neste sentido, a arquitetura assume um caráter, por assim dizer, mais volátil, uma espécie de sistema em constante processo de evolução e transformação—definido pelo The Metapolis Dictionary of Advanced Architecture como “indeterminismo determinado”. Mas a contingencia na prática da arquitetura não é algo novo. Nos anos 1960 e 70 a questão da indeterminação desempenhou um papel importante no discurso arquitetônico, principalmente com o surgimento de práticas alternativas como o Archigram e o Superstudio. Já no início dos anos 60, Cedric Price apresentava ao mundo o seu Fun Palace, um projeto concebido a partir de um programa fluido e completamente flexível e reconfigurável, um espaço radical de aprendizagem e lazer que se adaptava constantemente às necessidades e desejos dos usuários. Metamorfose e indeterminação eram ferramentas fundamentais do ponto de vista de Price—e seus projetos inspiraram arquitetos do mundo todo durante a segunda metade do século XX.

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Plug-In City by Archigram. Image © Archigram Archives

O projeto utópico “New Babylon” (1956-1974), de Constant Nieuwenhuys, foi outra proposta que rejeitava a normatização, apropriando-se da arquitetura como uma estrutura genérica moldada pela interação direta com os usuários. Em New Babylon, o artista propunha um sistema de planos sobrepostos que poderiam ser moldados e reconfigurados conforme desejassem os usuários. A intenção principal por trás do projeto de Constant era estabelecer um novo modelo de sociedade, produto da indeterminação e onde a arquitetura, embora reduzida a poucos elementos, sustentava uma infinidade de possibilidades e cenários alternativos para a vida em comunidade.

Da forma similar, os primeiros projetos do OMA também estavam fortemente carregados de um conteúdo ideológico, espaços para múltiplas realidades e infinitas formas de apropriação. Digno de nota é o conceito de “lobotomia espacial”, espaços construídos reprogramáveis, os quais gerariam novos significados a partir do engajamento com os usuários. Assim como o urbanismo define as bases sobre as quais a arquitetura se desdobra, a arquitetura foi por muitas vezes encarada como uma forma se infraestrutura capaz de acomodar uma infinidade de diferentes cenários para a vida, os quais poderiam evoluir com o passar do tempo, respondendo continuamente às demandas específicas dos usuários.

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Superlofts by Marc Koehler Architects, an example of open building. Image © Marcel van der Burg

Para que um edifício permaneça vivo, é imprescindível que ele seja capaz de se adaptar às diferentes necessidades e demandas que possam surgir ao longo de sua vida útil. Para alguns arquitetos, este talvez seja o mais importante dado a ser considerado quando se projeta um edifício. O arquiteto holandês John Habraken, por exemplo, é um dos principais promotores da noção de design participativo na arquitetura e um dos primeiros a definir o conceito de “open building”. Habraken distingue dois importantes aspectos em um projeto de arquitetura: aquilo que ele chama de “estrutura de suporte” e “conteúdo de preenchimento”. Como suporte ele entende os aspectos comuns de um edifício, como os espaços compartilhados ou públicos. O conteúdo, por sua vez, é aquilo que “preenche” esta estrutura de suporte, ou seja, todos os demais espaços individuais e privados. Dito isso, ele argumenta que a principal responsabilidade do arquiteto está em definir a “estrutura de suporte”, e em deixar espaço para que os usuários possam preenche-las à sua maneira. Ele vai além e diz que o arquiteto deve abrir mão do controle do conteúdo de um edifício, opondo-se à definição irrestrita do espaço na etapa de projeto.

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Nantes School of Architecture by Lacaton & Vassal. Image © Philippe Ruault

A ideia de arquitetura como um pano de fundo para as relações humanas também é explorada na obra de Lacaton e Vassal, os quais procuram prever possíveis transformações e adaptações em seus edifícios. O seu projeto para a Escola de Arquitetura de Nantes é composto por uma rigorosa estrutura de concreto, a qual organiza e sistematiza os espaços, os quais podem ser alterados e transformados constantemente através do uso de divisórias leves e flexíveis. Outra forma de incorporar a contingência na prática da arquitetura é a não definição de uso e programa. Nestes casos, o briefing é resolvido da forma mais pragmática possível, permitindo que os espaços cresçam e se estendam irrestritamente, desde que vagamente definidos e abertos a diferentes formas de apropriação. Quando se trata de espaços em proporções significativas, como no caso da Maison Latapie, eles assumem uma certa autonomia, operando de forma independente e ganhando vida própria.

São muitos os programas e tipologias na arquitetura que admitem uma certa flexibilidade ou incerteza em sua definição. Portanto, existe sempre a possibilidade de manter-se aberto as imprevisibilidades do futuro, criando espaço para diferentes formas de apropriação. Abordar de forma ativa a indeterminação na prática da arquitetura é um passo certo na direção de construir edifícios à prova de futuro, capazes de evoluir e se adaptar tão rapidamente como acontece com os contextos nos quais encontram-se inseridos.

Referências

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Edifícios à prova de futuro: incorporando a incerteza no processo de projeto" [Framing Indeterminacy: The Incorporation of Uncertainty Into Architecture] 07 Jan 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/973015/edificios-a-prova-de-futuro-incorporando-a-incerteza-no-processo-de-projeto> ISSN 0719-8906

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